Opinião


Internet - panacéia para o ensino de química?

Ivano G. R. Gutz*

             A omnipresença dos microcomputadores, interligados universalmente em redes, pode, muito bem, constituir o ícone da humanidade na transição do milênio. Ao grande público é alardeado que esta revolução tecnológica se deve aos avanços da eletrônica, da informática e das telecomunicações, sendo omitido que seu quarto sustentáculo é a avançada tecnologia química utilizada para produção, a custos ínfimos, dos componentes eletrônicos e mecânicos requeridos (todos os materiais condutores, semicondutores, isolantes e estruturais, circuitos integrados com milhões de transistores, CD's, fibras ópticas e visores coloridos de cristal líquido, para mencionar uns poucos).

            A vertiginosa popularização dos computadores domésticos - cada vez mais poderosos e baratos - e sua integração em redes como a Internet (originalmente reservada a certas agências governamentais americanas) não era prevista há poucas décadas, mesmo por eminentes especialistas: em 1943, Thomas Watson, da IBM, previa um mercado mundial para, talvez, 5 computadores; em 1977, Ken Olson, fundador da Digital Equipment Corp., não via razão para que alguém quisesse ter um computador em casa; já Bill Gates, em 1981, profetizou que 640 Kbytes de memória seria suficiente para qualquer um... De minha parte, vejo a World Wide Web (WWW) como extremidade visível de um iceberg ainda insondável, que poderá surpreender-nos indo além da comunicação global instantânea com recursos de realidade virtual e acesso interativo a toda informação acumulada pela humanidade. Todavia, mesmo desbancando a imprensa (em papel), como agente transformador da humanidade, não creio que esta revolução vá superar a importância do invento de Gutemberg no combate às trevas da idade média.

             A WWW compartilha com a televisão a facilidade de transmissão de textos sons e imagens, diferenciando-se pela interatividade, pela descentralização, pelo aproveitamento de rede telefônica para alcançar o usuário doméstico e pela incrível facilidade que oferece a indivíduos e instituições de preparar/atualizar o material que lhes aprouver e abri-lo ao mundo. Eis as condições que favorecem a rápida evolução da fenomenal diversidade de conteúdos da WWW, tornando-a tão democrática, prolixa, entrópica, fragmentada, polêmica e, por que não, sedutora.

             Em vários países desenvolvidos, a WWW já interliga 1/3 ou mais dos lares e praticamente todas as escolas, empresas e demais instituições. No Brasil, alguns milhões de pessoas servem-se de microcomputador doméstico e do telefone conectar-se a servidor da Internet, ao custo típico de R$30,00 mensais; muitos outros compartilham o acesso nas escolas, bibliotecas e locais de trabalho, em franco crescimento mas ainda distante da universalização.

           Quase tudo na WWW está em inglês, pode ser consultado gratuitamente e vem temperado com doses crescentes de propaganda. Diversos sistemas de localização auxiliam a "navegação" mas são pouco seletivos quanto ao nível e à qualidade dos sites, alongando as pesquisas. Muitos dos melhores sites de informações, bancos de dados, periódicos ou cursos, oferecem amostra grátis de serviços pagos, por vezes, caríssimos.

           Há poucos anos a WWW era um deserto em ternos de informações e materiais sobre química em português, o que nos levou a criar a AllChemy, dedicada a estudantes e profissionais interessados em química e ciências afins. Hoje, o endereço http://allchemy.iq.usp.br recebe duas mil consultas ao mês e é tido como um dos 5 top sites de ciência e tecnologia pelo sistema de busca Zeek (http//www.zeek.com.br). De grande abrangência, a AllChemy compreende: extensos calendários e páginas de congressos, seminários, exposições, cursos e prêmios, incluindo as Olimpíadas de Química; bancos de dados para localização de reagentes, produtos, instrumentos, serviços e livros, com perto de 10 mil itens de 80 empresas; sumários (índices) de revistas em português e links para periódicos internacionais; uma seleção de trabalhos completos e extenso guia de sites de química, organizado por assunto; indicações de livros, concursos, associações, sindicatos, escolas, bibliotecas, legislação e nomenclatura; distribuição gratuita, por e-mail, da AllChemy-News, com dicas e novidades da AllChemy.

           Mesmo sendo um ótimo site de consulta, a AllChemy ainda não oferece seqüências de materiais interativos destinados ao ensino à distância. Lembremos que, recorrendo a material didático predominantemente impresso, subsistem no Brasil e no exterior, cursos por correspondência ou mesmo universidades abertas ou livres (p. ex., na Inglaterra), atendendo a estudantes afastados das salas de aula por razões econômicas, de horário, ou de distância; A tendência deste tipo de ensino é migrar parcial ou totalmente para a WWW e sua importância relativa deve crescer. Poderão evoluir a ponto de inocular, via Internet, panacéias capazes de saciar qualquer ânsia (ou necessidade) de saber, de forma deleitosa, rápida e duradoura, ultrapassando as escolas convencionais? Ou estas é que se tornarão melhores recorrendo a sistemas híbridos de ensino em que o aluno permanece menos tempo em sala de aula? Saberiam os professores escrever menos na lousa e atuar mais como catalisadores, direcionando e incentivando os alunos, moderando trabalhos em equipe, orientando projetos e estágios, avaliando o aprendizado, atendendo aos serviços interativos, atualizando e aperfeiçoando os materiais para que resultem adaptáveis aos distintos ritmos, interesses e níveis dos alunos?

            Aulas em laboratórios continuarão imprescindíveis ao ensino médio de qualidade e ao ensino superior em química e outras ciências experimentais. Neste caso, estará o papel da Internet limitado às sessões de simulação prévia de experimentos, transferência de dados reais coletados, consulta mais ampla à literatura, teleconferências do grupo com discussão dos experimentos e geração de relatórios repassados ao professor pela rede? E se chegarmos, no futuro, à realidade virtual plena, acabaremos com os experimentos envolvendo riscos ou muito caros ou ...?

            Incito aqui os pesquisadores, docentes e estudantes brasileiros a se envolverem nesta importante e polêmica discussão, visando identificar alternativas para reduzir o atraso científico, técnico e cultural a que está relegada a maioria da nossa população.


* Professor titular do Instituto de Química da USP

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