Opinião


Química de Quarks

A. C. Pavão*

                 A ciência moderna está baseada na visão atomística do mundo, isto é, todos os fenômenos podem ser explicados a partir da interação de pequenas unidades fundamentais. Porém, o que tem acontecido é que quando se identifica uma partícula elementar, imediatamente já surge a questão de sua composição. E, logo em seguida, essa partícula é descrita por outras mais fundamentais. Aparentemente a divisão é a própria essência do pensamento atomista. O átomo foi dividido em elétrons e núcleo. O núcleo em prótons e nêutrons. Por sua vez prótons, nêutrons, mésons e demais partículas pesadas que participam das interações fortes (os chamados hadrons) são descritos atualmente por combinações de quarks. Agora, experimentos recentes realizados no Fermilab (USA) já fornecem evidências de que os próprios quarks também podem apresentar uma estrutura1. E esta divisão terá um fim? A quantização da gravitação estabelece um comprimento da ordem de 10-33 cm (comprimento de Planck) para a menor partícula possível de ser descrita com as teorias atuais. É um valor muito distante das dimensões do próton que atualmente são investigadas nos laboratórios de altas energias. Temos muito a conhecer. Ainda bem, apesar de nossa ansiedade em obter logo uma resposta clara para esta questão milenar.

Concepção artística de um núcleon mostrando os três quarks e a nuvem de píons

                Usando o modelo de quarks, a cromodinâmica quântica tem fornecido uma descrição fenomenológica correta acerca das interações fortes e eletrofracas em termos da dinâmica de interação entre quarks. Nesta teoria, cuja estrutura é a mesma da eletrodinâmica quântica, os quarks são partículas identificadas com números quânticos de "cor" e "sabor". Apesar deste sucesso da cromodinâmica quântica, as evidências experimentais para quarks são somente indiretas, sendo obtidas a partir da observação das propriedades dos hadrons. Então, uma questão central hoje é a idenficação experimental dos quarks. Existem indicações, tanto teóricas como experimentais, de que partículas coloridas (os quarks) não podem existir como entidades livres, mas são confinadas no interior de hadrons2. De fato, nenhum experimento até agora conseguiu liberar quarks a partir de um núcleon, mas isso não é uma afirmação de que quarks livres não existem na matéria estável. Pode existir, por exemplo, uma pequena concentração de quarks sobreviventes de algum período da expansão do universo "big bang". Esta hipótese considera que alguns quarks não teriam encontrado seus "parceiros" durante o processo de evolução e teriam sobrevido até hoje em concentrações extremamente baixas ao redor de 10-20 Molar. Muitos experimentos foram realizados em busca de quarks livres na matéria. A hipótese de quarks livres levanta a questão de onde residem no "mundo real". Poderiam estar isolados e, como carregam cargas elétricas, estariam interagindo com átomos, moléculas ou cristais, possivelmente formando estruturas estáveis. Outra possibilidade é que, como quarks devem ter grande apetite pelos núcleos atômicos (quarks provêm da matéria nuclear), eles absorveriam hadrons e formariam núcleos com cargas fracionárias (os quarks têm carga do tipo + ou - e/3 ou 2e/3 da carga eletrônica do e). Nesse caso, ocorreriam modificações significativas na estrutura eletrônica deste átomo quarkônico. Por exemplo, pode-se calcular que um átomo de sódio (Z=11), que emite luz amarela de 589 nm, emitirá luz violeta de 420 nm se tiver um quark +e/3 no núcleo (Z=11,33), ou então luz infravermelha de 950 nm se quark tiver carga -e/3 (Z=10,67). Portanto, uma eventual observação destas linhas permitiria identificar quarks pela via espectroscópica3. Este é apenas um exemplo de como a mecânica quântica aplicada à descrição da interação de cargas do tipo e/3 ou 2e/3 com a matéria estável pode ser útil para se conhecer a química dos quarks. Um dos objetivos da Química é o estudo da composição da matéria. Descobrir os quarks é uma tarefa saborosa e colorida. É mais uma solução à espera da Química.

1. F. Abe et al., The CDF Colloboration, FERMILAB-PUB-96/020-E. Submitted to Phys. Rev. Lett. January 24, 1996.

2. A.C.Pavão, Química Nova 8, 80 (1995)

3. A.C. Pavão, J.S. Craw end M.A.C. Nascimento. International Journal of Quantum Chemistry, Vol. 48, 219-224 (1993) e referências aqui citadas.


* A. C. Pavão é professor do Deptº de Química Fundamental/UFPE, atualmente, dirige o Espaço Ciência/SECTMA.

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