QUÍMICA: CIÊNCIA CENTRAL

Ricardo Ferreira*

       Atualmente a química é considerada a ciência central para a compreensão do universo que nos rodeia, bem como para a síntese e controle dos materiais sem os quais o mundo moderno não poderia existir. A teoria química é fundamentada na idéia, que devemos inicialmente a Dalton, de que a matéria é constituída por átomos de cerca de 100 diferentes elementos que se combinam segundo certas leis para formar os mais variados materiais. Essas leis são baseadas na Física, isto é, na Mecânica Quântica e Mecânica Estática, mas grande parte dos materiais de interesse prático são por demais complexos para que a química perca a sua individualidade. Por outro lado, torna-se cada vez mais evidente que a compreensão dos fenômenos biológicos passa necessariamente pela química. Daí advém o papel central da ciência química.

            Entre os materiais cuja síntese depende de técnicas e conhecimentos químicos estão cerâmicas de vários tipos, fibras óticas, semi-condutores, pigmentos fluorescentes, tintas especiais, plásticos e ligas ferromagnéticas. Suas proporiedades só podem ser controladas por procedimentos químicos. Por exemplo, os circuitos integrados indispensáveis nos computadores são feitos a partir de silício de grande pureza ao qual se adiciona pequenas quantidades de impurezas (dopantes) como o fósforo, o arsênio e o gálio. A competência para a produção desses materiais em larga escala ainda não foi alcançada no Brasil. Disto resulta que a informática brasileira é avançada quanto aos programas (software), mas depende de importação para os computadores (hardware).

           A importância da química para a biologia e a medicina é reconhecida desde os primórdios da bioquímica, por volta de 1850. Exames químicos de grande sofisticação são crescentemente utilizados para o diagnóstico de doenças e um grande números de fármacos estão à disposição da terapêutica. Os antibióticos, por exemplo, são substâncias naturais ou sintéticas, cujas moléculas dos nossos tecidos das bactérias invasoras, e afetam especificamente essas últimas.

           A genética molecular e a engenharia genética, que permitem o estudo e mesmo a modificação dos genomas, inclusive do humano, existentes nos núcleos das células, dependem inteiramente de procedimentos químicos. Por exemplo, a análise do DNA humano, com importantes implicações legais, baseia-se na técnica conhecida como PCR, a reação em cadeia catalizada pela enzima polimerase, um método químico que consegue ampliar consideravelmente pequenas amostras de DNA sem alterar a seqüência das bases A,T,G e C, permitindo assim sua completa identificação.

         O principal interesse dos astrônomos hoje, volta-se para a natureza química dos objetos celestes. A astronomia planetária, em particular, é dominada pela química. Qual a composição do solo de Marte? De que são constituídos os satélites de Júpiter? E os anéis de Saturno? A composição química dos meteoritos, fragmentos do universo que atingem o nosso planeta, é agora de grande interesse para o estudo de um dos grandes mistérios que cercam a origem da vida: como se formaram as primeiras moléculas quirais (que possuem a propriedade de fazer girar o plano de polarização da luz polarizada), características dos tecidos vivos.

          A descoberta de que foi o impacto de um grande meteorito com a Terra que provocou, há 65 milhões de anos, a extinção dos dinossauros, resultou de estudos radioquímicos que revelaram um pequeno excesso do metal irídio nos depósitos geológicos correspondentes à transição entre os períodos Cretáceo e Terciário.

         Não pode haver a menor dúvida de que a química vem desempenhando um papel crescente no estudo do mundo natural, no controle necessário para a preservação tanto quanto possível deste mundo, e no progresso material da humanidade. No Brasil, nos últimos 40 anos, o número de químicos qualificados para a pesquisa aumentou cerca de 60 vezes (de 50 para aproximadamente 3.000), enquanto a população como um todo cresceu por um fator próximo de 3 (de 60 para 160 milhões). Isto é um bom sinal, mas é necessário um crescimento ainda mais rápido de químicos no futuro, se desejamos competir efetivamente no plano internacional.

          Um aumento considerável no número de químicos e demais cientistas é condição necessária para superarmos nossa pobreza, mas não suficiente. Nossas leis têm que ser mudadas, se almejamos um país com riqueza mais harmoniosamente distribuída.


* Prof. Dr. Ricardo de Carvalho Ferreira,
do Conselho Científico do Espaço Ciência.
Docente do Departamento de Química Fundamental - UFPE