Com grande satisfação recebemos a distinção de apresentar o Caderno referente às Olimpíadas de Química do ano de 2003. Essa satisfação deve-se a diversos fatores, mas sobretudo nos alegra constatar o êxito e as conquistas que vêm sendo alcançadas por este projeto idealizado e operacionalizado pela comunidade dos Químicos para os jovens desse país, com a intenção última de contribuir para a difusão, preservação e progresso do conhecimento científico.
No
mundo contemporâneo está muito clara a relação entre o domínio do
conhecimento e a riqueza. Aproximadamente oito países são responsáveis por
75% da produção científica mundial. As economias somadas destes mesmos países
representam mais de 80% de toda riqueza produzida na terra. Estes mesmos países,
as chamadas nações desenvolvidas, possuem uma população somada de
aproximadamente um quinto da população total do planeta e ocupam menos de um
quarto de nossa superfície. Não por acaso conceitua-se atualmente a riqueza
como a capacidade de produzir, de forma autônoma, novos conhecimentos, e
transformá-los em bens utilizáveis.
As
origens da Ciência Química, tal como a conhecemos hoje, remontam ao trabalho
pioneiro de Sir Robert Boyle, na segunda metade do século XVII. Boyle utilizou
pioneiramente o método científico proposto por Galileu para o entendimento do
comportamento da matéria, e ainda resgatou a antiga propositura dos átomos,
originalmente formulada na Grécia antiga por Leucipo e Demócrito. Mas foi
somente 100 anos depois, aproximadamente, que Lavoisier, com a publicação do
Tratado Elementar de Química, irreversivelmente forjou um novo ramo científico,
com linguagem e conceitos próprios, situado no domínio da natureza,
propriedades e transformações das diferentes formas de matéria. De fato, a
história da evolução da química constitui-se em um dos mais belos exemplos
de evolução do pensamento humano e de suas realizações. Materiais têm
acompanhado a evolução da espécie humana, desde que esta se tornou
“sapiens”. Idades da história e da pré-história são designadas por
materiais que evidenciam ao mesmo tempo domínio tecnológico e poder do homem
sobre seus semelhantes e as outras espécies. Nomes de materiais marcantes, como
a pedra lascada, a pedra polida, o bronze e o ferro designam estágios de
desenvolvimento da espécie humana.
A
química é por excelência a ciência da matéria e dos materiais. Atualmente,
não há um ramo sequer da atividade econômica produtiva que não envolva
conceitos químicos, de forma direta, ou indireta, da atividade agrícola aos
novíssimos materiais que suportam e definem as revoluções no transporte
espacial e nas tecnologias da informação. Não por acaso constata-se uma
convergência de abordagem das demais ciências em torno do conceito central da
química, a existência dos átomos, suas propriedades e seus diferentes,
intrincantes e praticamente ilimitados modos de combinação. Isto está muito
claro na abordagem cada vez mais molecular das Ciências Biológicas e Biomédicas
e das diferentes Engenharias. Basta acompanhar a atribuição anual dos prêmios
Nobel para constatar a onipresença dos conceitos químicos. Lembro-me que muito
recentemente, no final da década de 70, nas primeiras aulas de Ciências a
professora reiterava a impossibilidade de visualizar os átomos e da necessidade
de estimularmos nossa imaginação para a formação de modelos mentais. Ao fim
de nosso doutoramento, na década de 90, já operávamos um moderno microscópio
de força atômica e tunelamento, capaz de fornecer a imagem do contorno dos átomos
e até mesmo de manipulá-los.
Destaquei
até aqui a importância econômica, digamos material da química. Mas seu
conhecimento também nos traz grande conforto espiritual, na medida que nos
propicia todos os elementos para a compreensão do intrincado, complexo e
fascinante mundo natural. Traz-nos ainda os elementos para que possamos nos
engajar, de forma consciente, na luta por um mundo social e economicamente mais
justo, onde o progresso possa se fazer sempre acompanhar pelo respeito ao
ambiente e seu delicado equilíbrio, as especificidades dos povos e dos territórios,
e inevitavelmente pelo respeito às espécies, incluindo o homem. Os conceitos
mais sofisticados e atualizados sobre ecologia e comunidades não podem
prescindir do conhecimento químico.
Assim,
dos materiais aos imateriais, é fácil perceber a imprescindibilidade do
conhecimento químico. Aos mais jovens em particular queria dizer que nunca se
intimidassem com as dificuldades inerentes ao aprendizado das ciências. Existe
sempre o desejo e a sede do conhecimento total. Mas é preciso compreender que
ninguém é capaz de deter o conhecimento total. A história das Ciências é
repleta de exemplos de iminentes pesquisadores que cometeram, no curso de suas
carreiras, inúmeras incorreções e bobagens. Acreditem, até mesmo Eistein. Não
é possível deter a verdade total, mas é possível e desejável contribuir com
uma parte, ainda que pequena, ao conjunto do conhecimento humano.
Torno
então a louvar a iniciativa das Olimpíadas de química como um instrumento
indispensável de apresentação aos jovens das maravilhas das Ciências e em
particular da química, auxiliando na sua difusão e no seu ensino.
Tenho certeza que além de facilitar o interesse e o estímulo ao estudo,
as Olimpíadas têm ainda servido para revelar ao país brilhantes futuros
profissionais plenos das ciências.
Conhecereis
a verdade e a verdade vos libertará.
Bom êxito a todos, alunos, professores e coordenadores em mais esta jornada feliz da química.
André
Herzog
Graduou-se Bacharel em Química na Universidade
Federal do Ceará em 1989. Realizou a Pós-graduação, Mestrado (1994) e o
Doutoramento (1999), no Instituto de Química da Universidade Estadual de
Campinas – UNICAMP, na área de Físico-Química, especializando-se em Físico-Química
Coloidal e Macromolecular.